domingo, 23 de dezembro de 2007

O Passado: Quando o discurso é bom mas a conclusão é falha


Superando as divergências do passado, Brasil e Argentina mostraram em que quando se trata de cinema conseguem trabalhar muito bem juntos, gracias. Argentino naturalizado brasileiro, Hector Babenco imprime em cada cena de seu novo filme junto com a direção de arte de Sebastián Orgambide e a fotografia de Ricardo Della Rosa mais uma vez seu estilo mórbido, cinzento e terroso.

Mostrando que o nome Gael García Bernal em letras garrafais foi apenas marketing da distribuição, o filme vai além. É o típico filme de arte que se submete às lógicas mercadológicas do mercado alternativo, dessa vez se escondendo debaixo do nome do tão falado (inclusive aqui) ator bambambam mexicano. O passado é uma sucessão de ângulos e pequenos detalhes bem elaborados que funcionam perfeitamente para a história, obrigando o espectador a abrir mão de uma interpretação apenas factual. Já não fossem bastantes todos os pormenores estéticos de cunho artístico, O Passado é um filme de metacinema. Rímini (personagem principal, interpretado por Bernal) é um tradutor de francês e inglês que costuma legendar filmes para espanhol. Em seu apartamento, podemos observar alguns pôsters de filmes decerto não postos ali por acaso. E para fechar com chave de ouro, na sequência final uma cena do trágico filme "L'Histoire d'Adéle H" (Truffaut, 1975) é interpretada para um público essencialmente feminino, extravasando amor platônico pela tela.

Nesse vai-e-vem linguístico, o Passado ainda encontra espaço para várias cenas em inglês e sobretudo em francês. O saudoso Paulo Autran faz uma participação no filme (e sua última no cinema) como um linguístico francês palestrante que factualmente é apenas um pretexto para Rímini conhecer uma de suas esposas. No entanto, Poussière (personagem de Autran) faz um discurso sobre como encontrar semelhanças em línguas distintas. No final das contas, O Passado esconde uma grande e efusiva homenagem (inconsciente por parte de Babenco?) a linguagem de uma forma generalizada.

Baseado no livro de Alan Pauls, o filme conta a história de Rímini e Sofia, casal que se separa após 12 anos de convivência, deixando Sofia desolada e sem condições de se libertar do que viveram. Ao optar por continuar no apartamento em que um dia dividiram, Sofia passa a se atormentar pelas lembranças e tenta a todo custo dividí-las com Rímini para por um ponto final na história. Para Rímini, "o passado é como um bloco e não se pode dividí-lo", já para Sofia as lembranças formam uma história e devem ser repartidas como uma herança. Rímini é imaturo e de sentimentos voláteis, tendo relações que se baseiam fundamentalmente em sexo, ao contrário de Sofia, que acredita que uma separação também pode ser parte de uma história de amor. Dessa forma, O Passado também pode ser entendido como um discurso sobre a convivência do amor moderno e conservador na contemporaneidade.

O filme, apesar de tão bem construído até então, cai no erro mais comum entre roteiros adaptados: a falta de contextualização que ocasiona variações da trama não bem explicadas. Logo de cara, o espectador é apresentado ao casamento em crise de Sofia e Rímini sem nenhuma explicação. A história isola-se sob o ponto de vista de Rímini fazendo com que o espectador escolha em que lado está, para mais tarde, subitamente, os personagens agirem de uma forma completamente diferente do pressuposto pela lógica inicial do filme sem que seja aberto espaço para uma construção da mudança, onde o espectador pensaria por exemplo: "Ah, era por isso que ele fez aquilo com ela...". Trapaça, o final de O Passado poderia ser muito bem explorado mais conclui-se como uma cagada. A última cena não possui ritmo de conclusão, e o espectador simplesmente não se prende a um detalhe que é fundamental para conclusão da história, fazendo com que o filme termine quando menos se espera deixando um gostinho de "Quero saber 'O Futuro' então". Ainda assim, é um filme que vale muitíssimo a pena ver, principalmente se o espectador não for capaz de perceber as falhas do roteiro.

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Acho que esse foi o meu melhor e mais maduro texto até agora.

15 comentários:

vinicius gouveia disse...

É. Um post muito bom.

Estou um pouco incomodado porque não consegui visualizar o filme muito bem, mas deve ser muito interessante. Li que Babenco disse que esse filme era feminino e que, também, era sobre um protagonista incomum, pois não era aquele herói tão esperado, como aconece em outros filmes.

Sim, sim. Concordo que ele PARECE ser um filme 'alternativo' escondido no nome de peso que é Gael García Bernal e o próprio Babenco, mas, se ele está no 'mercado da massa', ele não seria um filme da massa? Acho um pouco complexo de underground essa coisa de filme experimental/com uma idéia mais consitente ser dito como 'alternativo'. Pra mim, alternativo é filme que é feito sem o apoio dessas GRANDES produtoras. "Bárbara, a bárbara" é alternativo :) "O Passado" é comercial e é bom. (É?)

Quanto ao final, imagino como deve ter frustrado o espectador ¬¬ Volver é um ótimo exem plo de final nada a ver que cai bem no filme. Mas essa saída pode comprometer TODA a película.

Acho que esse foi o SEU melhor e mais maduro texto até agora. seus olhos verdes são encantadores.

beijosmeliga.

Anônimo disse...

É um filme de arte, usando a expressão apropriada.Pode ousar num desfecho surpreendemente súbito.

Sobre roteiros adaptados, discordo de você.A falta de contextualização coloca o espectador no seu devido lugar: observador não-onisciente. E isso é legal.Adorei o filme por isso.

E sobre "Un long dimanche de fiançailles", de Jeunet, post antigo seu, discordo tbm. Gostei mais dele do que de Amelie.É extremamente envolvente.

E destaque para as ejaculações precoces de Rímini no filme =P. Haja rapidinhas...

beijosmeliga.[2]
hauahuahauhauhau

DER KOSMONAUT disse...

VINÍCIUS,
volver é um ótimo exemplo mesmo. eu diria que a maioria dos filmes de almodóvar tem uma mudança de caminho da trama muito bem explorada, que o diga o vai-e-vem de la mala educación.

MARCO,
sobre eterno amor ("un long dimanche de fiançailles" - "um longo domingo de noivado"), deve estar ocorrendo algum engano. nunca escrevi sobre eterno amor aqui, e vi nos posts dos outros que escrevem aqui e não encontrei nenhum sobre esse filme.

concordo com você que por ser um filme de arte ele pode muito bem subverter a fórmula (aliás, por ser "de arte", espera-se que ele faça isso até). mas isso deve ser bem explorado na trama e um filme deve ser um foco só narrativo, que são dois basicamente:
ou os personagens sabem de tudo ao mesmo tempo que os expectadores (kubrick), ou os expectadores sabem mais que os personagens (hitchcock, por exemplo: a cena do chuveiro em psicose).

veja, o passado desenvolve uma narrativa o tempo inteiro em que os personagens sabem a mesma coisa que o expectador, pra no final simplesmente ocorrer aquela mudança súbita de foco narrativo, onde os personagens primeiro sabem mais do que o expectador e depois com o desenrolar da história isso se clareia na cabeça do expectador.

o passado, como eu disse, poderia ser um filme muito bom se soubesse tratar bem essa transição, mas não é isso que acontece. por isso eu detecto uma falha gravíssima no filme que provavelmente aconteceu ou porque os cortes foram exagerados pro filme ficar mais curto ou porque o roteiro correu demais. adaptar livros pra filmes é um fardo altamente pernicioso, são linguagens completamente diferentes. a literatura conta com um tempo subjetivo durante a apreciação que o cinema não pode se dar ao luxo de ter.

o expectador tem o direito de se sentir lesado sim, a meu ver. não é uma questão por exemplo de uma novela das 8 por exemplo que tem o final definido pelo expectador (o q sou completamente contra)... a questão em jogo é um filme que se atém muito a palavra e esquece de mostrar visualmente algumas coisas (como o lado mais humano de sofia).

o passado poderia ter subvertido a fórmula e teve toda uma base pra isso, mas põe tudo a perder nos últimos vinte minutos.

Anônimo disse...

sobre eterno amor, tu escreveu sobre ele em outro blog...
sobre a transição dos focos narrativos, eu gostei do brusco.

DER KOSMONAUT disse...

sobre eterno amor, se escrevi não me lembro oO
sobre a transição dos focos narrativos, achei trapaça

vinicius gouveia disse...

"concordo com você que por ser um filme de arte ele pode muito bem subverter a fórmula (aliás, por ser "de arte", espera-se que ele faça isso até)."

PRA MIM, ele foi feito pro público. só porque é com gael garcía e hector babenco ele não é alternativo/cult/indie/emo ou a porra que seja. é como se ser 'alternativo' ou 'de arte' fosse ser superior ao cinema de massa. e, falando nisso, escreva um post sobre rótulos cinematográficos. cinema só quer uma coisa: emocionar (logopatia?); filmes querem outra: ganhar dinheiro. querendo ou não, todos são cinemas, mas é claro que existem o que tem qualidade 'superior' e 'inferior'. e isso é uma questão muito complicada de se falar, afinal que tipo de qualidade falamos? e se a qualidade, pra mim, for modelos interpretando e cenários coloridos?

"...que provavelmente aconteceu ou porque os cortes foram exagerados pro filme ficar mais curto ou porque o roteiro correu demais..."

ainda bem que vc se explicou ^^ eu já ia perguntar mais detalhes sobre isso.

no mais, feliz páscoa.

Anônimo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse...

vcs vão acabar me deixando tonta, meu gésus! :x

como eu n assisti o filme, só um trailer (q por sinal é COMPLETAMENTE confuso e parece ser, de certa forma, vazio), não vou ficar emitindo valores a respeito dele... isso n faz mt sentido, né?

vou emitir valor, sim, é dos termos q vcs usaram.
"cinema de arte"
A gente devia tomar cuidado quando usa essa linguagem. ela tem uma intenção muito elitista e exclusiva.
o cinema é uma arte: ponto.
mas é claro q tá cheio de fariseu, por aí, q se aproveita da popularidade dele pra comer dinheiro, e acabando por transformar os eventuais filmes em um lixinho qlqr q n pode ser chamado de arte.
O fato é, tem bons artistas (q eventualmente são más pessoas '¬¬) q se aproveitam disso pra se promoverem às custas da desmoralização ou desrespeito ou sei-lá-como-se-pode-chamar-isso de outros artistas - menores ou não.

só sei q essas coisas andam me revoltando,
essas politicagenzinhas baratas no mundo da arte, que deveria ser "limpo" dessas pilantragens,
e aí dou meu protesto semi-silencioso por falta de escolha: n uso mais esses termos, qndo dá pra usar outros

vinicius gouveia disse...

apoiado fernanda! eu voto em você!

DER KOSMONAUT disse...

fernanda pra presidenta da ANCINE!

Anônimo disse...

ahsasohasohaso
bando de gay! =P

mas... pensando bem,
essa idéia de fernanda pra presidente até que não me desagrada muito *.*

ashoahsoahsoho

ao infinitooo e aléém!
[pra n dizer q eu n citei nada de cinema =D]

nãoseileianaminhacamisa. disse...

fikdik: gostei do filme e sou gruppie do gael.

Anônimo disse...

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Anônimo disse...

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